domingo, 27 de fevereiro de 2011

Optogenética: iluminando os caminhos celulares



Bem, esta é a primeira postagem do meu blog. A ideia deste blog, em princípio, é de tratrar de temas científicos mas de uma maneira transdisciplinar. Fiquei algum tempo pensando qual seria o primeiro assunto a ser tratado. A ideia e inspiração vieram de um artigo que li na Scientific American Brasil de dezembro de 2010. O tema central do artigo era como a promissora técnica da optogenética pode influenciar as pesquisas da neurociência. O que me chamou a atenção foi o comentário do autor Karl Deisseroth. Segundo ele,  há mais de trinta anos que os neurocientistas procuravam por uma maneira de controlar apenas um tipo de célula do sistema nervoso sem interferir nas outras, e que a luz poderia ser uma maneira de se obter tal façanha. Mas há pelo menos 40 anos os biólogos sabiam que alguns microrganismos produzem proteínas que regulam o fluxo de carga elétrica em suas membranas respondendo à luz  visível. Ou seja, levou-se três décadas para as duas áreas se cruzarem e ser desenvolvida a técnica da optogenética. Talvez as coisas teriam acontecido mais rápido se um neurocientista tivesse participado de uma rodinha de bar, ou tomado um cafezinho, com alguns biólogos...


Estimulando as células com luz

A optogenética é um conjunto de métodos onde a ideia primordial é inserir um gene codificante de uma proteína sensível a luz (opsinas) nas células para se  observar algum comportamento celular através de estímulos luminosos. Optogenética envolve o desenvolvimento de proteínas sensíveis à luz, meios de se fazer os genes chegarem ao destino correto, além do desenvolvimento de ferramentas para se fazer a luz chegar ao seu alvo e equipamentos para a leitura dos dados resultantes.
As opsinas foram encontradas em microrganismos que dependem da luz para viver. Elas ajudam o organismo a extrair energia e informações do ambiente. A vantagem delas é que são controladas por um único gene. Para elas serem expressas, é necessário apenas um cofator: o todo-transretinal (all-transretinal), um composto aparentado da vitamina A o qual absorve os fótons e que, para a nossa sorte, os mamíferos têm em quantidades suficientes.
Os pesquisadores também estão modificando as opsinas ou sintetizando novas para que elas desempenhem suas funções com mais eficiência nos experimentos realizados.

Existem diferentes tipos de opsinas. Elas foram inicialmente encontradas na arqueobactéria Natronomonas pharaonis e nas microalgas Chlamydomonas reinhardtii e Volvox carteri, a primeira unicelular e a segunda colonial, ambas dotadas de movimento.  Abaixo é apresentado uma descrição das opsinas encontradas nesses três organismos.

  • Canalrodopsina ChR2: permite a passagem de íons de sódio com carga positiva em resposta à luz azul. Encontrada em C. reinhardtii. Utilização: despolariza o neurônio provocando um pico (Fig. 1 a, c). Variantes desenvolvidas: ChETA - eleva os neurônios a frenquências maiores que 40 hertz; variantes SFO (step function opsins) - são versões mais lentas de ChR2 que podenm induzir os neurônios a estados estáveis de exitação prolongada sob luz azul, podendo ser revertido sob exposição de luz verde.
  • Canalrodopsina VChR1: permite a passagen de íons de sódio respondendo à comprimentos de onda de luz verde e vermelha. É similar a ChR2. Encontrada em V. carteri (Fig. 1 a, c).
  • Halorodopsina NpHR: encontrada na N. pharaonis. Reguka o fluxo de íons de cloro com carga negativa respondendo à luz amarela. (Fig. 1 a, c) Utilização: hiperpolariza os neurônios e inibe picos em resposta à luz amarela. Variantes: NpHR2.0 e NpHR3.0
    Figura 1. (a) Naturally occurring light-responsive effectors and their microbial sources: ChR2 from Chlamydomonas reinhardtii, VChR1 from Volvox carteri and NpHR from Natronomonas pharaonis; useful light wavelengths for each are indicated. ChR2 and VChR1 are cation-conducting channels and NpHR is a chloride pump. (b) Engineered synthetic rhodopsins for optical control of well-defined intracellular biochemical signaling. The intracellular loops of bovine rhodopsin have been replaced with the intracellular loops of G protein-coupled receptors (GPCRs) to yield light-activated chimeric GPCRs. Green light illumination leads to activation of the downstream Gq and Gs signaling pathways. (c) Action spectra. The absorbance wavelength of the voltage-sensitive dye (VSD) RH 155 is sufficiently separated from the light-sensitive range of all rhodopsins, therefore making it possible to integrate VSD imaging with optogenetic modulation. (d) Viral vectors for introducing microbial opsin genes into the brain. Top and middle: Lentiviral and AAV vectors can be used to deliver a cell-specific promoter along with the opsin gene and its fluorescent marker. Bottom: Cre-dependent adeno-associated virus (AAV) vector carries a doubly floxed inverted opsin (DIO) fusion gene. Upon transduction into Cre recombinase-expressing cells, the opsin fusion gene will be irreversibly inverted and enable cell-specific gene expression. Part 'a' was modified with permission from Nature4 (Nature © 2007; Macmillan Publishers Ltd.).
    Nature Protocols 5, 439 - 456 (2010) Published online: 18 February 2010  doi:10.1038/nprot.2009.226.

    Mas não são somente os neurônios que podem ser controlados. Também existem ferramentas optogenéticas que permitem o controle de sinais celulares em cascata e de interações moleculares. Essas ferramentas geralmente são formadas pelo domínio de uma proteína efetora com um domínio de absorbância de luz. Exemplos:

    OptoXRs: são quimeras de proteínas compostas de rodopsinas bovinas (proteínas transmembrana sensíveis a luz  encontradas nos bastonetes e cones da retina dos olhos) e componentes intracelulares de receptores adrenergéticos acoplados à proteína G* (Fig. 1b e primeiro esquema da figura 2). As OptoXRs permitem o controle dos sinais em cascata mediados pela proteína G.

    * A proteína G está envolvida na transdução de sinais celulares, funciona como uma chave molecular. Os receptores adrenergéticos percebem sinais químicos extracelulares e respondem a eles mudando os níveis dos sinais biouímicos internos.

    As proteínas não assossiadas à membrana como as domínios LOV (luz, oxigênio e voltagem), fitocromos ou criptocromos podem ser fusionadas às proteínas efetoras para se criar variantes sensíveis à luz (Fig 2, segundo esquema).
    A LOV2-Rac o qual é induzida pela luz azul a mudar a conformação do domínio LOV2,  o qual resulta na liberação do bloco alostérico Rac permitindo a este se ligar e ativar alvos abaixo como a PAK1 (proteína que regula a motilidade e morfologia da célula). Com isso ocorrem a polimerização dos filamentos de  actina e a geração de protrusões e movimentos celulares (Fig. 2, quinto esquema).
    Outro exemplo é fazendo uso do fotorreceptor PhyB e sua proteína parceira de ligação PIF. A luz vermelha desencadeia a ligação da PhyB com a PIF enquanto que a luz infra-vermelha libera a PIF. A ligação da PIF com a PhyB, que está ancorada na membrana plasmática, leva à formação de extensões celulares (Fig. 2, terceiro esquema).
    Também é possível fazer uso de certas enzimas que ocorrem naturalmente como as adebil ciclase (ePAC) que podem ser usadas para modular sinais celulares pela produção direta de menssageiros moleculares secundários (Fig 2, quarto esquema).


    Figura 2. nature methods | VOL.8 NO.1 | JANUARY 2011 | 25


    Mas afinal, como levar essas proteínas até o seu alvo?

    Os genes codificantes dessas proteínas sensíveis a luz são levados até à sua célula-alvo por transfecção, transdução viral ou pela criação de linhagens de animais transgênicos. Para que a expressão do gene ocorra somenta na célula de interesse, pode-se combinar o gene com um promotor específico (Fig. 1, letra d).



    Controlando e lendo os sinais 


    Para se ter o controle preciso das atividades celulares através da optogenética, são necessários meios de se controlar com precisão o tempo e o espaço de iluminação. Diversos métodos estão sendo utilizados e testados para se aprimorar as emissões dos feixes de luz e a leitura dos sinais. Esses métodos geralmente fazem uso de fibras ópticas, lasers ou LEDs e permitem levar a luz em qualquer área de interesse, mesmo que essa seja em algum local profundo do cérebro, inclusive em mamíferos que se movam livremente.
    Os "optrodos" são híbridos integrados de fibra óptica e eletrodos, cuja função permite a leitura  simultânea do controle optogenético e  operam na casa do milissegundos. Com isso, pode-se, por exemplo, observar diretamente a mudança de atividade elétrica nos circuitos neurais envolvidos no controle motor ao mesmo tempo em que estes são controlados opticamente com opsinas microbianas.
    Muitos biosensores baseados em fluorescência com perfis compatíveis de excitação, alguns codificáveis geneticamente, também podem ser utilizados para diferentes leituras celulares. A observação dos efeitos das modulações no comportamento do animal como um todo, também pode ser uma maneira de se observar a eficiência do experimento.


     O método do ano

    A optogenética, embora recente, vem permitindo aos cientistas realizarem experimentos em células de animais vivos que se movem livremente com precisão sem precedentes. Apesar das opsinas serem conhecidas desde 1971, somente em 2005 é que a optogenética emergiu, desencadeando uma série de pesquisas e publicações, principalmente a partir desenvolvimento das tecnologias de iluminação, fazendo com que a revista Nature considerasse a optogenética como o método do ano de 2010 (veja o gráfico abaixo).


    As pesquisas na área desenvolvem-se rapidamente, e atualmente existem mais de 800 laboratórios espalhados pelo mundo utilizando e desenvolvendo essas novas tecnologias. A abordagem optogenética está ajudando em nossa compreensão de algumas doenças como o Parkinson, narcolepsia (um distúrbio do sono), esquizofrenia e como os neurônios fabricantes de dopamina podem levar a sentimentos de prazer e recompensa - pode ser útil no entendimento de patologias como a depressão e no abuso de substânicas. O entendimento de como ocorrem estes distúrbios poderão resultar em novos tratamentos para essas doenças.
    Trancrevendo o que Carl Deisseroth escreveu em seu artigo da Scientific American Brasil de dezembro de 2010: "A lição da optogenética é que o velho, o raro e o frágil - mesmo células da escória das poças ou dos duros lagos de sal do Saara - podem ser cruciais para a compreensão de nós mesmos e de nosso mundo moderno. A história por trás dessa tecnologia sublinha o valor da proteção de nichos ambientais raros e da importância do apoio à verdadeira ciência básica. Nunca devemos esquecer que não sabemos aonde a longa marcha da ciência está nos levando ou o que será necessário para iluminar o caminho".

    VOL.8 NO.1 | JANUARY 2011 | nature methods. PUBLISHED ONLINE 20 DECEMBER 2010; DOI: 10.1038/NMETH.F.324
    
    O vídeo a seguir é uma palestra de Karl Deisseroth sobre a optogenética aplicadoa a neurociência.


    Bem, para quem chegou até aqui, espero não tê-los cansado muito, mas é que há tempos gostaria de trocar umas ideias sobre este tema. Está afim? Então senta aí na mesa e me acompanhe num expressinho!

    ResearchBlogging.org



    Referências

    Deisseroth, K. (2010). Optogenetics Nature Methods, 8 (1), 26-29 DOI: 10.1038/NMETH.F.324
      Deiseroth, K. (2010). Luz para controlar o cérebro. Scientific American Brasil. 103: 34-41.

      Pastrana, E. (2010). Optogenetics: controlling cell function with light Nature Methods, 8 (1), 24-25 DOI: 10.1038/nmeth.f.323


      Toettcher, J., Voigt, C., Weiner, O., & Lim, W. (2010). The promise of optogenetics in cell biology: interrogating molecular circuits in space and time Nature Methods, 8 (1), 35-38 DOI: 10.1038/NMETH.F.326

      Zhang, F., Gradinaru, V., Adamantidis, A., Durand, R., Airan, R., de Lecea, L., & Deisseroth, K. (2010). Optogenetic interrogation of neural circuits: technology for probing mammalian brain structures Nature Protocols, 5 (3), 439-456 DOI: 10.1038/nprot.2009.226


      3 comentários:

      1. Nossa!! Estou impressionada!! Como a falta de conversa entre as áreas pode produzir uma lacuna de 30 anos para a ciência. Bem é verdade que o desenvolvimento da tecnologia ajudou na continuação da pesquisa, ou melhor, da retomada. E que coisa boa saber que esses seres fotossintetizantes podem produzir o bem maior. Isso me faz crer que podemos encontrar mais novas em outras algas, principalmente naquelas que possuem o estigma, organela especializada na percepção da luz.

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      2. Se o pessoal da ciência se reunisse e tomasse uns gorós, isso já tinha saido na decada 70! Quantas outras maravilhas e bizarrices estão no aguardo de um cruzamento de disciplinas? vai saber...

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      3. Existe algum laboratório de pesquisas em optogenetica no Brasil?

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